terça-feira, 2 de junho de 2009

Manifesto revoltado de um professor desempregado


Na noite passada senti o toque da morte. Estava muito frio e fui para cama por volta das dez horas. Em minha mente surgiram pensamentos já um tanto familiares. Não posso mensurar com que freqüência esses pensamentos surgem, mas eles sempre aparecem nos piores momentos. Fechava os olhos e via minha mão direita cortando meu pulso esquerdo. Abria meus olhos. Fechava-os novamente e quase que propositadamente me via a degolar-me. Tratei de fechar os olhos e dormir profundamente envolto em nuvens oníricas totalmente sem sentido. Se há algum sentido oculto nos sonhos ainda preciso descobrir...
Mas porque estou revoltado? Porque durante quatro anos de faculdade eu fui moldando e remodelando meu ser, meu íntimo. Depois veio a prática da sala de aula e toda a nebulosidade da distância entre prática e teoria. Em muitas vezes eu me questiono as diferenças entre o meu tempo de escola e o momento atual. Meus amigos e colegas de trabalho também fazem esse exercício e por fim apenas suspiramos. Sabemos que lutar cansa, mesmo assim não desistimos. Não desistimos... Não deveríamos desistir, mas já perdemos nossas forças. Mesmo contra nossa vontade somos cooptados pelo sistema, pelas engrenagens de professores fraudulentos que há anos desvaneceram do sonho da educação e só querem é garantir seus feriados e feriadões, suas férias no meio do ano, suas férias no verão.
Ontem uma colega me disse que em sua escola discutiam sobre o fato de a região Nordeste ter muitos professores não habilitados em sala de aula. Uma triste e distante realidade do nosso Brasil.... MENTIRA!!!!! Ela não se rebaixou e criticou a posição de suas colegas de escola dizendo-lhes que esta realidade pertence ao nosso mundo também, no caso, o Sul de Santa Catarina!!! Eis um dos motivos de minha revolta, de nossa revolta. Na escola onde ela leciona há uma professora que ainda não concluiu a graduação e que está lecionando, ocupando uma vaga que poderia muito bem ser de um professor ou professora habilitada e/ou pós – graduada, como tantos que por aqui estão desempregados. Assim como eu. E aí lhes antecipo a resposta: POLITICAGEM!
Enquanto houver políticos corruptos a educação será relegada último plano. Pior que isso é o fato de haver profissionais corruptos. Não vou dizer que são professores corruptos. Uma pessoa que ousa educar nossas crianças se amparando em corrupção não merece ser chamado de educador ou educadora.
Infelizmente esse é o jeitinho brasileiro, tão mal falado, tão bem usado. Porém, eu também sou corrupto. Sim, eu e praticamente todos os outros professores que conheço somos corruptos. Somos corruptos em nossos pensamentos, por isso ficamos doentes. Professores contratados como eu, ACT, precisam de cursos de capacitação, mas nosso governo não nos oferece, mesmo porque estamos fora das salas de aula. Contudo, enquanto educador responsável cabe a mim continuar me especializando e me atualizando constantemente. Por isso eu pago por cursos que não faço. Não faço como todos os outros professores. E não pago porque não tenho salário. Quando tenho salário eu tenho que sustentar a minha família.
Como está difícil ser professor hoje em dia. As leis são jogadas de cima para baixo, muitas vezes nem sabemos que as criou ou por que as criou. Quer dizer, sabemos sim... Em sala de aula o respeito fora deixado de lado há muito tempo. Os pais de nossos alunos pouco se importam conosco. E ainda por cima somos obrigados a lutar como uma miríade de problemas que parecem e são infinitos. O bom professor se tornou aquele que brinca não o que ensina. E ainda: muitos desses reclamam do nosso país, que o Brasil tem uma carga tributaria horrível, que as coisas estão caras, que os pais trabalham demais e pouca atenção dão aos filhos. E vejo esses educadores trabalhando até 75 horas semanais!!! Como podem criticar o sistema e fazer exatamente o que criticam?!?!?!?!?! Como uma pessoa em são consciência consegue educar 900 alunos ou mais por semana durante um ano??? Consegue esse profissional dar conta de todos os problemas e ainda por cima ensinar? Ou será que só transmite o conhecimento sem se importar com a sua transformação e assimilação plenas?
Eu não sei.
Gostaria muito de estar falando bobagens apenas e que 90 % do que escrevo aqui fossem mentiras. Mas não é. Enquanto alguns se sobrecarregam para manter um estilo de vida incompatível com suas reais necessidades, eu e meus colegas desempregados nos digladiamos por 10 horas semanais que seja para ganharmos menos de um salário mínimo...
Eu preciso me valorizar, com digo para meus colegas. Eu me acho um bom professor, preciso me sentir assim, caso contrário eu caio de vez. E meus colegas compartilham desse meu pensar. Penso que se eu abandonar a sala de aula um incompetente pode tomar meu lugar. Sim, essa é a forma de pensar que tenho nesse momento! E isso não é apenas porque estou deprê ou coisa parecida. Não sou o único a pensar assim. Eu não estudei para ficar atrás de um balcão ou num escritório fechado. E sei que tenho capacidade o suficiente para auxiliar meus iguais em sala de aula. E sei o quanto precisam de mim, tenho que me valorizar, é a única coisa que pode me sustentar: essa forma de pensar é resto de otimismo que me sobra....
Infelizmente vou ser obrigado a repetir o jargão popular de que bonzinho só se fode. Não me preocupo em usar um palavrão, meus alunos o fazem a todo instante. E isso me entristece. Eu poderia estar numa situação melhor economicamente e com certeza não estaria aqui escrevendo novamente palavras de desalento. Do que me adiantou toda aquela criticidade que aprendi na faculdade? Lembro de pessoas no ônibus da faculdade que jamais emitiam uma palavra, um gesto sequer sobre os problemas de nossa sociedade. Lembro de pessoas e ex-aluno e ex-alunas que nunca pensaram sequer nos problemas do Brasil. Quando eu digo “pensar” quero dizer manifestar. Pessoas daquele tipo “não fede nem cheira”, filhinhos e filhinhas de papai e mamãe que parecem nunca ter posição clara, pessoas que apenas esperam os pais encontrarem um padrinho político e hoje andam de carro em roupas novas enquanto eu ainda uso as mesmas roupas de anos atrás. Bom, não é isso que me preocupa, não gosto de viver de aparências e muito menos de ter o rabo preso com alguém. E principalmente eu gosto de ter conversas inteligentes, não gosto de perder o tempo com alguém que leu algum livro de auto-ajuda e o decorou. Não gosto de leitores de “best-sellers” que apenas ensinam a arte de controlar os “recursos humanos”... Caramba, viramos gado mesmo....
Não sei se é bem isso que eu gostaria de dizer. Acho que até falei demais. Sabe, estou desempregado porque eu falo demais. Mas o que fazer se não consigo ficar calado perante as coisas erradas que vejo? Eu prefiro dormir com a consciência limpa. Daqui a pouco eu vou estar como Karl Marx, intelectual desempregado. Conhecimento nem sempre garante alimento. Infelizmente o que manda hoje em dia é outro conhecimento: conhecer as pessoas certas. Se rebaixar, se humilhar. Ou como diria Platão: "Um dos inconvenientes em recusar participar da política é que acabamos governados por nossos inferiores"
Triste, mas real. Espero que eu possa morder minha língua e voltar a escrever textos mais alegres....
Prof. Wagner Fonseca, 02 de junho de 2009
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Um comentário:

  1. Compartilho da mesma opinião.
    Não tenho nenhum padrinho político, não tenho influências... Pois é fato, só pessoas com as costas quentes conseguem "se dar bem" na Educação. É triste, desesperador!

    Hey, tens msn?

    Abraços.

    ResponderExcluir