domingo, 27 de maio de 2012

Os sonhos de todos nós ... devaneios




(devaneios de um domingo a noite...)

Tenho refletido sobre nossa capacidade de sonhar nesses últimos dias. E isso veio após discutir com meus alunos um texto que questionava o fato dos jovens de hoje sonharem pequenos. Ao mesmo tempo o texto informava que os adultos estão conformados e já não sonham mais. O que pensar sobre isso tudo?

Qual o maior sonho dos pobres? Até ontem eu dizia que o maior sonho dos pobres é ser rico. Bem, numa discussão na faculdade ontem mesmo precisei rever isso. Que tipo de rico o pobre quer ser? Aliás, ser rico mesmo ou famoso? Porque o maior meio de informação para os pobres em geral ainda é a televisão e nela vemos os famosos. Ricos? Até bem pouco tempo atrás nós nem imaginávamos existir um brasileiro chamado Eike Batista. Muito menos que ele é um dos mais ricos do mundo. Ricos de verdade não se mostram, são reservados e, a meu ver, estão corretos. Quem precisa saber quem realmente somos ou o que temos?

Os pobres sonham então em ser famosos? Ou sonham com a vida difundida pelos artistas nas telenovelas? A vida dos ricos como ela é?

O que sonhamos nós, reles mortais?

Os sonhos são os mesmos para as mesmas gerações? Pessoas de regiões diferentes do país sonham coisas diferentes?

Pedi aos meus alunos que escrevessem sobre isso, os adolescentes e seus “sonhos pequenos”, sobre seus heróis e seu futuro. Seis turmas, 200 alunos. Resultado: a maioria concordou que “eles” (porque não escrevem “nós” quando se referem a si mesmo?) sonham pequeno. Mas vou contar uma coisa: leram um texto que diz isso e pouquíssimos contrariaram o autor, e porque será? Lhes falta ousadia? Brio? Força de vontade ou mesmo criatividade, imaginação? Como é difícil expressarem uma opinião própria! Apenas reproduzem, se aquietam, se calam e aceitam como normal. Às vezes instigo-lhes de forma mais teatral (ou seja, encarno a maldade em mim e despejo neles...rsrsrsr) para ver a reação. Poucos reagem. O que tem acontecido com nossos jovens? 

Sonhar. Terminar os estudos, um curso técnico, um salário de mil e setecentos reais (imaginem só: solteiros, ganhando “tudo isso”, curtindo as baladas, construindo a sua vida, nenhum compromisso com ninguém, só curtição!), para que coisa melhor?! Quiçá uma faculdade para ter o diploma e quem sabe ganhar um pouco mais. E no fim, prazer, puramente prazer. Parece que máxima expressão de sua felicidade se embasa nessa busca pelo prazer. Epicuro pensaria o que sobre nossos jovens? Ousaria dizer-lhes para serem moderados? Felicidade se tornou ideologia, doutrina, ditadura!

Quem sonha alto? O que é sonhar alto? Ter uma casa, um bom emprego, a companhia dos amigos e familiares, o que mais alguém pode querer? É errado desejar “só isso”? Milhões de pessoas não possuem um quinto disso e jamais poderemos afirmar que seus sonhos são pequenos em relação a isso.

Na verdade o que devemos nos questionar é: quem são os jovens que sonham pequeno? Ou, o que é sonhar pequeno? O que é sonhar grande?

Grandes causas: mudar o mundo? Quem disse que o mundo precisa ser mudado? E quem disse que o ser humano precisa ser mudado também? Se até as pedras não são as mesmas em toda sua existência, porque teimamos em dizer que precisamos realmente mudar?! Mudar o que, para que e para quem, isso é a grande questão. Desejar isso é sonhar grande? Desejar ter apenas uma vida simples e cômoda é algo pequeno? O que pode ser melhor do que ter a presença dos que amamos e nos amam ao nosso lado? Será egoísmo desejarmos isso enquanto milhões morrem em guerras, de pestes, fome? Ou, como dizem alguns alunos, “o que posso fazer por aqueles que morrem de fome na África”? “O que posso fazer pelas crianças que morrem nas guerras”? São essas questões que muitas vezes ouço de meus alunos. O que posso responder-lhes? Dizer-lhes para rezar por eles? Bem, aposto que muitos rezam e já vem fazendo isso há milhares de anos e na prática não vemos acontecer nada. Pensar bem na hora do voto? O que muda meu voto se não muda o sistema? Lutar contra o sistema? Lutar até quando? Lutar como? Lutar contra quem? Contra qual sistema? E o que é lutar? É digitar frases revolucionárias nas redes sociais? É escrever um texto como esse achando que vai influenciar alguém? É postar alguma imagem chocante nas redes sociais? Lutar contra o sistema apoiando-o descaradamente e, pior ainda, injetando-lhe mais lucro através de um consumo insano de todas suas mercadorias? Ou seja, lutar contra o sistema usando roupas caras, maquiagem cara, corte de cabelo caro, calçados caros, ouvindo a música produzida pelo próprio sistema, comendo e bebendo o que o próprio sistema oferece? Como lutar contra o sistema se nós o alimentamos com nossas lutas? O alimentamos com nossos sonhos que são a base desse sistema que diz que temos que ser felizes e inculcamos em nossas mentes que só seremos felizes se pudermos ter um bom emprego, uma boa residência fixa, saúde e paz? Seremos felizes conhecendo outros lugares e pagando para que isso ocorra? Se pagamos é porque consumimos, logo, consumimos os lugares, consumimos o espaço e assim alimentamos o sistema com nossa felicidade. Mas somos felizes! “Meu sonho é conhecer vários lugares, viajar pelo mundo!” Novamente, consumir o mundo, pagar por tudo isso. Sonhos altos, consumo alto, e o sistema continua a nos consumir também. E aí, que mundo queremos mudar? Para quem? Para que mudar esse mundo? Para que eu não possa mais consumi-lo ou para que ele não me consuma mais? Talvez seja por isso que o maldito conformismo seja algo tão razoavelmente grandioso. Por que desejar tanto e tão alto?

Os condenados sonham com a liberdade. Os libertos estão presos a sua própria liberdade.
Os que não sonham não precisam de objetivos?
Os adultos estão conformados mesmo?
É errado aceitar as coisas como elas são de vez em quando?

Nossos pais vem de uma época difícil lutaram muito ao seu modo para que pudéssemos estar aqui hoje. Então porque dizemos que eles deixaram de sonhar? O que fez o mundo com os seus sonhos? Eles venceram dificuldades, crises econômicas, ditaduras, inflação, a distância entre a informação e suas vidas. Largaram a escola quando sonhavam serem médicos, veterinários, dentistas e advogados. Liam as suas histórias em quadrinhos e queriam ser como seus heróis. Seus pais muitas vezes não eram seus heróis. A lida árdua da vida no campo da grande maioria da população brasileira também criava homens rudes. 

A violência familiar no campo nunca foi algo escondido realmente. As crianças tinham poucos direitos, os adolescentes também. Do outro lado, tinham inúmeras responsabilidades que os faziam crescer aprendendo muitas coisas, às vezes aprendendo profissões. Liberdade? Tinham sim, mas era algo diferente de hoje. Amadureciam biologicamente mais tarde, como ouvimos em relatos. Namoro, gravidez, compromisso, família, tantas questões distintas da atualidade. E “todos estão vivos”. Quantos primos, tios, avôs ouvimos falar sobre as surras que levavam porque faziam alguma “arte”? E mesmo assim não os ouço “bestemar” contra seus pais, pois aprendiam a ter respeito. Mas será que eles diziam que seus pais eram seus heróis? Ou preferiam Pedro Malazarte, Mazzaropi ou outros exemplos típicos do passado recente? 

A produção cinematográfica muitíssimo distante dos avanços tecnológicos atuais também causava medo e espanto e também causava o brilho nos olhos dos jovens sonhadores. Che, Martin Luther, Gandhi, grandes nomes que lutaram contra seus inimigos. Os movimentos pacifistas dos anos 1960, o rock e suas letras inusitadas, viajantes, mirabolantes, poéticas e densas. Os ídolos de hoje assumem nomes de frutas femininas ou vestem as roupas do povo para se dizerem populares. O que era considerado brega (que para mim é muito mais autêntico que muita porcaria atual) virou moda, o feio virou moda, tudo vira moda. A moda é uma grande ferramenta do sistema. Ela consome os sonhos e os transforma em enlatados. A moda transforma o absurdo, o ridículo, o bestial em aprazível. A moda pega o lixo e o coloca em nossas mesas. A moda nos transforma em robôs programados para só dizer sim. A moda molda nossas mentes e anseios. O sistema aproveita tudo isso. O sistema diz que sonhamos pequenos. O sistema molda nossos heróis. O sistema religiosamente nos diz como ser religiosos. O sistema ama quando somos religiosos. O sistema aplaude quando negamos a religião. O sistema sorri quando o criticamos e no abraça quando lutamos contra ele usando tudo o que ele nos oferece: calça jeans, tênis allstar, coturnos, bandanas, roupas de marcas, perfumados, dentro de nossos carros, nos embebedando, nos drogando, com nossas músicas rebeldes e palavras de ordem.

E depois de tudo isso ousam dizer que não sonhamos.
Ousam dizer que sonhamos pequeno.

Ousam dizer que é errado termos nossos pais como heróis. Como é errado? Eles apanharam de seus pais calados, choraram e os amaram até o fim. Aceitaram abandonar a escola para poder trabalhar e ajudar suas famílias. Nossos pais aceitaram o cinema virar uma máquina de faz conta que não faz mais. Nossos pais aceitaram e televisão piorar mais do que podia. Nossos pais aceitaram ver suas músicas serem esquecidas para ouvir as porcarias que o rádio toca. Nossos pais aceitaram lutar feito loucos, abandonaram sua vida simples, complicaram sua existência, engoliram tudo que lhes foi enfiado goela abaixo; aceitaram os mesmos políticos que vem governando esse país há décadas; nossos pais aceitaram batalhar para nos dar condições de estudos; nossos pais fizeram tudo isso para que possamos estar nos finais de semana num churrasco com amigos e ainda nos dizem que é errado tê-los como heróis? Que culpa tem nossos pais se a indústria cultural banalizou toda a fantasia e imaginação de séculos de humanidade? Que culpa tem nossos pais se esse texto não tem sentido algum? Que culpa tem nossos pais se grande parte da população sonha “pequeno” em ter apenas o necessário para sobreviver? Que culpa podemos lhes dar por não acharmos mais graça em ver um príncipe lutando contra um dragão por uma princesa?

Culpados?
Nossos pais!
Culpados?
Nossos avôs!
Culpados?
Nós mesmos?
Não sonhamos pequeno, sonhamos o que fomos treinados a aceitar.
Sonhamos o que aprendemos a querer.
Somos os culpados por nossos sonhos. Somos as vítimas dos nossos desejos.
Somos culpados pela banalização da fé, da religião, do sexo do humor.
Nós causamos gírias sem noção.
Nós vulgarizamos os sentimentos.
Nós coisificamos a nós mesmos.
Nós fizemos isso a todo instante nas redes sociais.
Somos arrogantes.
Somos hipócritas.
Somos bestas-feras.

Nós nem ao menos conseguimos perceber nossa maldade, prepotência e nosso amor doentio por tudo o que é ruim.

Em cima disso construímos sonhos e castelos de desejos.
Como sonhar nesse mundo?
Como desejar algo sem falso?
Como se identificar com alguma proposta sincera?
Como poderei encerrar esse desabafo?
Isso nem era para ser um desabafo!

Apenas um pensamento sobre duas coisas que nada tem de simples: nossos adolescentes sonham pequeno? Nossos adultos perderam a capacidade de sonhar?
Que grandes sonhos nós, adultos, podermos oferecer para nossos jovens?
Que grandes sonhos nossos jovens podem demonstrar para reativar nosso encanto perdido?
Poderemos andar juntos em alguma direção?     
Poderei dormir em paz hoje a noite?
Eu presumo que sim...

WFMorales, 27de maio de 2012
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