Já cantava o Raul há algumas décadas e continuamos sem moral para
cuspir e apontar nossos dedos sujos uns aos outros, da mesma forma que jogamos
pedras ao alto para retornarem aos nossos tetos de vidros.
Fácil jogar nossos problemas nas costas dos outros. Mais fácil
ainda culpar o governo ou o sistema que, aliás, sempre leva a culpa por tudo,
desde a falta de remédios até a corrupção perpetrada diariamente em cada ação
nossa e de nossos representantes políticos.
_Epa! Peraí! Esse cara quer livrar o governo da sua culpa?!
Quero não, mas é preciso rever aqui nossos posicionamentos e
entender, principalmente, como nos diz Boaventura Sousa Santos, que todo ponto
de vista é a vista de um ponto. Com um pouco de esforço – e quem sabe algum
estudo e pesquisa – nós podemos perceber que as pessoas culpam tanto os
governos, culpam tanto os representantes políticos e ao mesmo tempo embevecem
esse ou aquele deputado ou senador, etc. Vivendo na era dos nomes pomposos para
cada ação da polícia federal contra o crime organizado protagonizado pelos
colarinhos brancos, pelos bem vestidos ladrões de gravatas, ou prefeitos
supercriminosos, eu ainda me pergunto: como pode uma pessoa em sã consciência
defender um político de profissão que está há três ou quatro mandatos usurpando
do poder e do dinheiro público?
_ Ah, mas nem todo político é ladrão ou ruim. Tem os bons lá
dentro, o problema é que alguns se deixam levar, se corrompem pelo poder.
Bem, já é uma explicação, mas como toda explicação simplista, é
insuficiente e novamente podemos resumir tal tentativa de explicação para a
culpa do sistema. Ou seja, a forma como o ‘sistema’ é organizado permite que
nossos representantes políticos pintem e bordem com o povo sofrido desse país.
Tal constatação tende a resumir a ideia do senso comum, que via de regra não
questiona nada justamente por ser limitado, e voltamos a um ditado antigo e
malvado: “Rouba mas faz!”
Vejamos um exemplo ‘simples’. Ano passado, no circo montado para a
votação do impeachment, vimos facilmente deputados orgulhosamente baterem no
peito que votaram contra Collor e agora votavam contra Dilma. Não sei qual foi
a honra que encontraram nisso, quando deveríamos era nos envergonhar de ainda
não sabermos escolher ou não sabermos votar ou não sabermos ser democráticos.
“A culpa é do sistema”...
Sim, é o sistema que permite que um vereador se reeleja tanto
quanto um deputado ou senador, não o povo que vota nesse ou naquele ‘porque é
bom’ (rouba mas faz?). É o mesmo ‘sistema’ que permite que os ex-governadores
catarinenses recebam um aposento de marajás pelos seus “serviços prestados à
sociedade”. Enquanto isso escolas padecem de estruturas, postos de saúde viram
sucata e o povo trabalhador tem que entrar na justiça para ter garantia de
tratamento médico. O pior disso tudo é ver as pessoas defendendo tais sujeitos
pelo “bem que fizeram ao nosso povo”.
É esse mesmo sistema que nos leva a eleger e reeleger senadores e
deputados com ganhos e gastos estratoféricos que ainda estão lá no
planalto central há vinte, vinte e cinco ou trinta anos comendo do bom e do
melhor a nossas custas. E no meio dessa bizarrice tropical desmedida emergem os
futuros salvadores da pátria, os heróis que não têm medo de falar aquilo que o
povo quer ouvir! Tornam-se os portas vozes de um povo mal educado, infelizmente
ainda com baixa formação, um povo que lê pouco e reflete quase nada, uma massa
de manobra facilmente arrebanhada pelo ódio àqueles que ousam não ser só mais
uma “peça do sistema”.
Aristóteles já dizia que o homem é um animal político e isso
resume muita coisa. Por sermos políticos tendemos a viver em sociedade, o lugar
onde cada um é importante apenas por ser um, o lugar onde o respeito deveria
vir acima de tudo. Querem culpar os políticos? Sim, devemos nos culpar todo dia
e cada vez mais até termos algum fio de vergonha e começarmos a repensar nossos
erros.
Você cola na prova? Você fura fila? Você não respeita as leis de
trânsito? Você busca sempre dar um jeitinho em tudo? Sabe aquele trabalho da
escola para amanhã? Conte uma desculpa ao professor. Faltou ao serviço? Vá ao
médico e diga que deu aquela ‘caganera’ desgraçada! E não vou pedir desculpas
por falar assim, afinal sou falho como qualquer pessoa...
Na medida do cotidiano somos tão corruptos quanto qualquer
deputado ou senador que recebe grana do caixa dois.
_ Ah, mas quem faz as leis são os mesmos que roubam!
Com certeza. Ainda assim continuamos a votar neles. O que explica
um deputado estar a quatro mandatos mamando da máquina pública e nada fazer
pela redução dos salários de nossos representantes políticos ou suas regalias?
Um senador custa para o Brasil trinta milhões de reais por ano e ainda votamos
acreditando que algum deles seja melhor para nós...
Na boa, eu ando revoltado, com certeza. É muita gente achando que
o novo herói vai surgir na próxima eleição e isso me enoja. Gente que deveria
ler mais, estudar mais – e brigar mais também – ainda acredita que alguma peça
desse sistema perfeito – não para o povo – vá realmente mudar nosso país. Por
favor acordem.
Acordamos todos ou estaremos apenas trocando as peças de um jogo
em que as regras nos excluem cada vez mais. Quero ser otimista, mas está cada
dia mais difícil.
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