quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

O valor da educação




Essa é mais uma daquelas histórias maravilhosas contadas pelo meu avô. Isso quando eu era criança ainda e meu avô já era um professor aposentado. Sempre que ia à casa dele eu via e revia as fotografias de todos aqueles seus ex-alunos. E como ele era conhecido!

Mas a história de sua vida é o que conta, aquela grande greve que mudou tudo! Foi quando o presidente do país obrigou por lei mesmo que todos os professores deveriam ser valorizados e receber um bom salário. E mais: deveriam ter tempo para descansar e eram obrigados também a continuar estudando para oferecer o melhor para seus alunos. Vovô dizia que muitos de seus colegas desistiram da sala de aula porque não agüentavam ser professores e alunos ao mesmo tempo. Viviam confortavelmente em seus altares e preferiam se sujeitar a outras coisas à sala de aula. Vovô ainda contava das inúmeras vezes que ouviu seus colegas falando com ojeriza dos alunos, que diziam até que a sala de aula lhes causava asco! Que horror! Mesmo assim vovô continuou.

No ano da grande greve houve muito tumulto e até sangue. Infelizmente vovô perdeu dois colegas que foram assassinados pela polícia a mando do governo. Aquilo foi a gota d’água, ninguém podia aceitar! A grande greve começou em seu Estado e foi se espalhando pelo país. Os meios de comunicação não conseguiram segurar a onda avalassadora que cortava todas as regiões. As denúncias multiplicaram-se e os diretores das escolas resolveram fechar todas as portas e obrigaram os professores que ainda não haviam aderido à greve a irem para a rua. Muitas passeatas e até mesmo quebra-quebra aconteceram após os assassinatos dos professores. O governador e sua equipe não conseguiam mais reagir quando o golpe final aconteceu: os setores da segurança e da saúde pública cruzaram os braços em favor dos professores. A capital do Estado foi praticamente sitiada pelo forte movimento social. Todas as capitais foram tomadas e vários setores da sociedade civil se aglutinavam nas ruas exigindo mais respeito, valorização e desenvolvimento humano ao invés apenas do eterno discurso do crescimento econômico.

Ninguém mais aturava ver as crianças serem destituídas de imaginação e criatividade sendo moldadas pelo lixo transmitido pelas rádios, televisão e redes sociais da internet! Foi uma verdadeira revolução no país que começou com a morte cruel de dois professores que lutavam pelo melhor para a educação. As universidades foram chamadas a fazer parte do movimento, pois os cursos que formavam professores estavam falindo, afinal, quem queria ser professor? Uma profissão de risco! Muita humilhação em troca de pouco incentivo. Mas vovô era um sonhador e continuava acreditando no poder da educação.

O governador foi obrigado a rever toda a situação. Seus deputados, secretários e asseclas tiveram que acatar a vontade popular quando mais de 50 mil pessoas tomaram a capital isolando-a do resto do Estado por um dia. Nem o exército ousou atender ao pedido do poder maior do Estado. A vitória foi dura, mas conquistada com muita luta.

A partir daquele momento todas as leis que vigoravam em prol da educação precisaram ser revistas. As universidades começaram a dar mais atenção à educação pública e aos futuros mestres. Pais, mães e familiares tiveram que tomar suas partes eficazmente na criação dos futuros cidadãos do país. Nenhuma lei que favorecesse a preguiça, vagabundagem ou vida fácil foi permitida. Aos poucos o país inteiro foi se reorganizando e se alfabetizando de verdade. Alguns diziam que era coisa de comunista, mas essa crítica nem fundamento possuía. Vovô era um dos que a rebatia. “Ser a favor da humanidade pensando apenas no lucro não nos levará a lugar algum”, dizia ele.

De qualquer forma, a partir daquele momento as coisas começaram a mudar. Nas rádios e televisão pouco a pouco a infâmia e a idiotice foram cedendo espaço para coisas mais reais e construtivas. Não que tenha tudo mudado, pois até hoje ainda rolam por aí algum resquício daquele tempo. Contudo, hoje o país todo é menos violento, menos miserável, mais justo e digno de se viver. Foi através da educação que as pessoas tomaram a vontade de escrever um novo sentido à vida. As escolas se tornaram o verdadeiro espaço do crescimento e desenvolvimento. Responsabilidade e respeito se tornaram molas mestras de qualquer pessoa.

Podemos ainda ser um país capitalista, eu diria. Mas o lucro já não faz parte da vida da grande maioria das pessoas. Brincar na rua já é possível e presídios estão sendo fechados ou remodelados porque a população carcerária tem diminuído vertiginosamente.

Foi através da educação que o povo começou a rever seus valores, buscar a sua verdadeira identidade e até mesmo criar uma nova identidade cultural. Começamos com uma letra, depois uma palavra, uma frase, um sonho. Desenvolvemos o senso da justiça, da tolerância, do consenso e da coerência. Aprendemos a viver o coletivo sem destruir o individual. Reaprendemos a olhar para o mundo sem querer engolir tudo a nossa frente. Hoje trabalhamos, produzimos, convivemos, reaproveitamos e consumimos menos. Sabemos o quanto precisamos para viver e aprendemos a viver sem querer ser mais do que ninguém.

Não somos limitados, somos criativos. Na precisamos de prêmios, precisamos de atenção, de carinho e emoção. Tudo isso aprendi com meu avô e hoje repasso aos meus netos. Espero que nosso país possa continuar sendo tão bom de viver quanto se tornou e que jamais volte a ser o que era na época em que meu avô foi professor.

Foi com luta, sangue e suor que batalhamos pelo início. Suando e sagrando fizemos o meio. E assim pavimentamos o caminho para todos os possíveis fins dos que virão futuramente”. Era assim que vovô falava ao se referir sobre a educação e sobre o seu tempo em sala de aula.

Tradição, cultura, democracia. Ouvia tudo isso de meu avô. Minha mãe viveu os duros momentos ao lado de meu avô. Ela, justo ela, uma militante radical dos direitos humanos, minha mãe que tanto me orgulho. Meu pai era um simples trabalhador braçal, mas muito educado e respeitoso, embora tenha terminado seus estudos na mesma época que eu.

Hoje sei que todos os fins são possíveis. E para ter o melhor sei onde devemos começar: do começo, com os pequenos, ensinando-lhes, educando-lhes para a vida e não para seus vícios de morte e destruição.

Wagner Fonseca, 04 de janeiro de 2012
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