quinta-feira, 22 de outubro de 2020

O quão pequenos podemos ser

 


 

Foto macro: estou aprendendo sempre, agora na fotografia.

É da natureza humana sermos humanos. De todo o mais, há uma dimensão biológica nossa pelo fato de precisamente sermos seres vivos. O que nos distingue do meio circundante trata-se de nossa dimensão cultural. Aí é da cultura humana sermos tão diversos.

Gosto de pensar que a cultura não é aquilo que nos separa da Natureza mas sim algo que nos completa em meio e com ela. Somos o que somos por nos fazermos assim. Quem sabe aquilo que chamamos de Cultura não seja apenas a continuidade da Natureza em nós. Alguns podem dizer que se trata do Espírito extrapolando as dimensões da existência puramente física e limitada da matéria para em nós criar e desenvolver essa ampla vastidão que é a cultura humana. Uma vastidão limitada apenas pela própria capacidade criativa e imaginativa do pensar e agir sobre nossa existência em nossa própria existência. Uma vastidão tão ampla quanto o próprio Universo é.

O Universo, esse todo sobre o qual nos debruçamos desde a aurora de nossos questionamentos primeiros. Ao olhar o céu noturno os pontinhos brilhantes pedem nossa atenção, porém, o que mais me intriga é o imenso espaço vazio entre cada pontinho. De tudo que existe, por maior que uma estrela seja, por maior que uma galáxia nos seja apresentada, a imensidão vazia é infinitamente maior. Da imensidão do universo olhamos para o minúsculo átomo e descobrimos o quão infinitamente numerosos eles são. Admira mais ainda saber que a maior parte de um átomo é também um imenso vazio. Logo, temos um imenso universo em que sua esmagadora existência é composta por um vazio crescente cada vez mais amplo quanto mais esse mesmo universo se expande e tende a existir no tempo e espaço.

Dizer que somos um grão de areia no espaço é grande demais. Somos no máximo a lembrança fossilizada da sombra de um grão de areia... Ainda assim somos tudo que essa imensa existência pode ter. Capazes de feitos grandiosos e tragédias dantescas concomitantes. Do alto do nosso egoísmo ainda buscamos parecer e ser maiores que o outro ou a outra ao nosso lado. Será que um dia deixaremos essa pequenez inerente à nossa existência de lado para tentarmos, ao menos, fugir do lugar comum e, se não pudermos ser maiores do que somos, pelo menos mais significativos nessa vastidão do existir? Como nos dizia um sábio, “leve seu sorriso onde for”. Ele pode até ser esquecido, contudo, se no lugar do sorriso levares apenas teu ódio, com certeza este sempre será lembrado.

Prefiro pensar assim do que aceitar a ideia de que é da “natureza humana” sermos de um jeito ou de outro. Somos o que somos dentro das limitações com que nos constituímos em um infinito universo de possibilidades. Da natureza humana não sei o que esperar. Da cultura humana, essa sim, acredito que muito possa ser feito, muito possa ser evitado, muito possa ser aprendido. Podemos ser pequenos perante o universo, mas ele não seria completo sem esse minúsculo grãozinho de areia que é nosso existir.

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segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Os dilemas da educação a distância... agora pra valer...

 


 


Quando falo em educação gosto de separar um pouco as coisas: a educação está em todo lugar, não só na escola. Lá nas salas de aulas temos a educação escolar, uma parte do que consideramos educação. Nem vou me estender nisso, embora minha preocupação seja justamente sobre a educação escolar.

Recebi hoje pelas redes sociais um “print” de uma mensagem cuja autoria já deve ter se perdido nos meandros da web. A postagem em questão toca num assunto sério: a imensa quantidade de atividades que alunas e alunos têm recebido semanalmente em casa. Os professores devem estar loucos enviando tantas atividades assim! É só fazer a conta: 12 atividades por semana, quatro semanas e teremos 48 atividades em um mês! Que me desculpem os entusiastas, mas nem em nossa “normalidade” escolar isso ocorre. Então nossos alunos e nossas alunas vêm até nós reclamar sobre tudo isso:

_ Professor, terminei as atividades ontem e agora já tem tudo de novo!

Está difícil, muito além do que nós professores trabalhamos em sala de aula. Está difícil para nós e para nossos alunos. Um aluno chegou a me implorar para fazermos uma aula “clandestina” numa praça, alguns alunos apenas, de máscaras e distanciamento. Confesso que cogitei a cena, mas o peso da cobrança sobre mim é maior. O pior de tudo é que mal me recordo do aluno, pois tivemos poucas aulas no início do ano! Como podemos “ensinar” algo assim? Me cortou o coração ouvir dele as dificuldades em aprender, querer mas não conseguir sozinho...

Em nossas conversas nas redes sociais trocamos nossas angústias e dificuldades. O meu celular quebrou, mas tenho computador em casa. Tenho alunos de 16 anos de idade que utilizam os celulares dos pais. Também tenho alunos com celulares de dois ou três mil reais mas que não conseguem pagar um plano de internet. Prioridades: ostentar vale mais que poder utilizar o aparelho em sua plenitude. Na verdade, se formos elencar os problemas, o rol iria longe e, na boa, quem sou eu para julgar cada um? O problema dos nossos problemas é que são nossos, não dos outros, e mesmo que fossem, seria muita maldade não se preocupar também.

Nós professores somos obrigados a dar conta de nossas atividades. Inventar coisas sabe lá Deus de onde sobre conteúdos ainda não discutidos não é fácil para ninguém. Apontar culpados também não soluciona nossos problemas, mas o fato é que estamos adoecendo, professores, pais, mães e alunos e alunas. Apaguei mais de 100 mensagens no whatsapp na semana passada, arquivei-as antes de apagá-las. Dois dias depois meu celular morreu e agora já tenho dificuldades em contatar os educandos.

A palavra mais séria nesse momento é, sem sombra de dúvida, resiliência. Precisamos, cada um de nós, nesse momento ter força, coragem, fé e esperança, o que for preciso para aguentar essa tempestade. Do contrário todos afundaremos juntos. Não está fácil vencer o peso da imensa burocracia que se abateu sobre nossa profissão, contudo, ainda a temos. Nem professores, nem alunos, nem famílias estão mais suportando tamanha pressão. Entretanto, é preciso seguirmos firmes, vencer nossas angústias e desesperos e tomar muito cuidado com toda ansiedade que vier. E, quando tudo isso passar – porque vai passar – que possamos repensar nossos papéis, escola e famílias, pais, mães, filhos e professores.

 


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sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Cidadão? Que cidadão, cara pálida?!

 


 

Aprendemos com a história que o conceito de cidadania desenvolveu-se na Atenas antiga há vinte e cinco séculos, aproximadamente. Naquela época, embora inovador, o ideal de cidadão abarcava um percentual pequeno da população. Basicamente homens adultos, livres e atenienses. Escravos, pobres em geral, estrangeiros e mulheres sequer tinham espaço para decidir os rumos da cidade. Ser cidadão é isso, participar das decisões que indicam os caminhos políticos da vida em cidade. Aliás, a própria palavra política traz consigo a noção da vida na cidade.

Bem, hoje o conceito de cidadania é muito mais abrangente, graças às sociedades que lutaram durante tanto tempo para que pudéssemos hoje ter acesso a uma vida mais democrática. Ser cidadão é mais que uma garantia por lei, é a garantia de que, seja quem for, nossos direitos estarão garantidos. Em uma fila de banco você está sujeito a uma senha e a senha é só um número, independente do seu saldo bancário. Na fila do supermercado isso não muda e muito menos muda na hora de você votar.

Para ser um médico te exigem estudo e diploma. Para ser advogado, engenheiro ou professor a ideia é a mesma: estudo e certificação. Porém, nada disso faz de você alguém melhor ou pior que outra pessoa. Além disso, a lei é válida independente do seu diploma, ou pelo menos deveria ser, visto que no Brasil ainda sobrevive uma ideia antidemocrática de “foro privilegiado”. Claro, alguns podem defender que isso está racionalmente escrito nas leis, vá lá.  Todavia, no Brasil vigora algo maior e mais antigo que isso, uma mácula na formação nacional encravada na nossa essência como um espinho que se recusa a sair do nosso corpo.

Você sabe com quem está falando?” é uma daquelas falas em que a pessoa se apodera totalmente de uma superioridade que jamais se justifica. Ninguém deveria estar acima das leis, muito menos utilizar seus “títulos” para alguma situação justificar uma suposta posição acima de alguém. Nos tempos de Brasil colônia ou Brasil império um título fazia “sentido” - naquela época. Mas, em pleno século XXI alguém ainda achar que um “título” faz uma pessoa melhor que outra é mais que retrocesso. Isso só demonstra o quanto ainda temos que crescer enquanto nação. Infelizmente, nada nos faz crer que veremos cada vez menos casos como o veiculado pelas redes sociais nessa semana. O “cidadão não, engenheiro formado” pode até virar meme, como tudo o que fazemos por aqui. Mesmo assim desvela um sentimento muito básico de um povo mesquinho: o de sempre querer estar acima dos outros.

Casos parecidos assim, como quando o cidadão defende a democracia de outros países mas deseja para o nosso uma ditadura. Há outros exemplos semelhantes – e preocupantes – nesse sentido. Assuntos para outro momento. Por hora fico nos devaneios do quanto valem os títulos que carrego e a responsabilidade emoldurada em cada um. Ser cidadão e humano ainda é o maior dos diplomas, cuja certificação precisa ser constante em nossa caminhada...                  

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segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Nos falta poesia nessa pandemia...

 


“A educação falhou”, diz um empresário do ramo de escolas de idiomas. Sim, ele está correto, a educação falhou: família, igreja, Estado e a escola, ou por acaso vocês acham que educação é só escola? falhamos enquanto sociedade, diariamente.

Falhamos quando elegemos nossos representantes políticos que escrevem as leis que justamente garantem que sejam eleitos para garantir que suas leis sejam escritas e garantidas para justamente garantir a perpetuação desse ciclo vicioso de corruptibilidade da vida social e política, da infância à falência vital.

Falhamos quando a vítima estuprada é culpada pelo estupro, falhamos quando aceitamos que essa mesma vítima seja comparada com uma “cachorra no cio” e falhamos mais ainda porque aplaudimos quem diz isso, porque muitos de nós concordamos. E continuamos indo até o mestre questionar-lhe o que fazer com a mulher infiel. Ele, agachado, escreve no chão. Será que hoje nos mandaria olhar primeiro nossos erros antes de julgar aos outros? Ou também agiria como os exemplos que temos visto? “Cidadão, não!”, ou, “Vocês têm inveja da cor dos meus olhos?”, ou quem sabe, “Aqui é o Messias, olhe com quem você está falando!”.

Não é o Brasil que está revirado, porque esse país ainda nem conseguiu se constituir seriamente enquanto povo ou nação, pelo menos não de forma madura, não é mesmo?

Nós olhamos as redes sociais por tempo suficiente para nos enojar porque as pessoas perderam o medo de expor suas fétidas camadas internas. Até bem pouco tempo atrás bastava manter as aparências e ir à igreja aos domingos, pagar seus impostos piamente e dizer aqui ou ali um pouco de seus preconceitos, num círculo limitado de intimidade. Geralmente entre aqueles que compactuassem os mesmos valores. Entretanto, gradualmente as pessoas que sofriam com os preconceitos começaram a se impor e exigir espaço, visibilidade e pararam de ter medo por ser quem são e como são, pois, antes de tudo, somos humanos, antes de tudo, somos seres vivos e, numa visão religiosa cristã, aos olhos do Pai, somos todos iguais. É, nesse quesito as coisas começam a se complicar...

Me pego olhando os botões da tela caixinha mágica e me pergunto se realmente vale a pena compartilhar tamanha mesquinharia alheia. Penso nos meus erros, nos meus pecados e preconceitos internos, reflito sobre meus julgamentos. Não torço eu também pelo fim disso tudo com a eliminação da espécie humana? Seria considerado um pessoa ruim ou insana por pensar isso? Ou tais pensamentos só surgem por visibilizar tanta maldade difundida pelas redes sociais e pela vida real mesmo? E não sou eu também um vetor dessa difusão de maldades e mesquinharias?

Tenso.

Suspiro, reflito.

A educação não falhou, tampouco a família, a igreja ou o Estado, muito menos a espécie humana falhou. Falhamos, isso sim, diariamente, e por esse motivo precisamos nos reinventar, rever nossos preconceitos mais arraigados, rever nossos vieses de violência com os quais muitos de nós acreditamos poder resolver tudo. Porque, se continuarmos a combater fogo contra fogo não restará nada além de cinzas daquilo tudo que um dia poderíamos ser.

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quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Reflexos e reflexões de um cansaço que nos adoece


Estamos cansados em todos os sentidos. Cansados, fracos e adoecidos. Para alguns mais alarmantes é tudo um castigo divino, fim dos tempos, mas para estes é sempre assim. Qualquer coisa que acontece ou é o destino agindo ou outra força sobrenatural. Afinal, é sempre mais fácil colocar a culpa em algo que não se consegue compreender nem explicar, posto que compreensão e explicação exigem muito além da vontade e capacidade a que estamos acostumados. Invoque-se Deus ou o Diabo e tudo estará resolvido. Pelo menos no campo das culpas.

De qualquer forma, a pandemia nos cansou, o valente século XXI! Tal qual seu antecessor vivendo uma Belle Époque, crendo nos avanços científicos e tecnológicos, no avanço das ideias e do conhecimento que erigia a “casta” europeia sobre o restante do mundo e viu fenecer seus ideais em sangrentas guerras mundiais e nos totalitarismos. O polo se inverteu e a incomensurável força do progresso e conhecimento humanos foram novamente abalados, não pela nossa forte convicção em nossa sociedade, mas ao contrário: vimos alguns odiosos discursos contrários à ciência, por exemplo, terem que voltar essa convicção já um tanto abalada para travar uma guerra diferente. O inimigo agora é praticamente invisível, mata gradualmente o ser humano e “fere de faca” o sistema financeiro.

Se no século XX a crença no progresso, uma das características do pensamento moderno, não foi suficiente para livrar a sociedade humana da barbárie, criando a devastação bélica de duas guerras mundiais, no início desse século e, principalmente agora, vemos um embate dantesco entre a ciência e as superstições. Há quem diga que o discurso iluminista falhou e não se obtém mais sucesso a tentar-se iluminar as mentes humanas. A grande rede, a internet, tornou-se nosso “grande irmão orwelliano”, que a tudo vigia e tudo sabe de nós. E nós nos entregamos de graça, todo nosso conhecimento e, o mais importante de tudo: entregamos de graça à “Grande Rede” toda nossa santa e sagrada ignorância! No ápice de achar que sabemos algo, acabamos apenas nos passando pelo “tiozão do zap” que compartilha coisas porque sabe apertar um botão de compartilhar...

No fundo, e na superfície também, trata-se de controle, de controle de corpos e mentes, de educar sensações e sentimentos, de educar o olhar e a dor. Parece que há muita coisa, muita informação misturada nessas poucas linhas, como poderia ser diferente? Esse é o mundo em que vivemos, rodeados de uma miríade constante e crescente de informações que nos adoece tanto quanto outros minúsculos seres nocivos aos nossos corpos. Esses podem ser combatidos com remédios, mas como combater as ideias que nos rodeiam? Ou melhor, como equilibrar todo o poderio, toda a sedução que elas impõem sobre nós?

Até pouco tempo, o filósofo Foucault dizia-nos que vivíamos sob uma sociedade do controle, e ainda é assim em muitos aspectos. As regras, as leis e os decretos – lockdown – se tornaram palavras comuns nesses meses pandêmicos. De outro lado, Byung-Chul Han, filósofo coreano que vive na Alemanha, aponta que aquela sociedade do controle já tem seus dias contados ou já passou. Vivemos sob outra sociedade, uma sociedade do desempenho, do “eu posso”. Olhe ao seu redor e, pessoas que viveram a virada do século, lembrem-se como os discursos foram positivados. Ganhamos o poder de dominar nossos rumos! É o que dizem as palestras e os milhares de discursos, sejam de auto ajuda ou auto motivação. Então, uma pandemia nos tira todo esse poder de fazer as coisas. Como poderíamos não adoecer?

Uns “presos” em suas casas, como medo de um inimigo que mata sem ser visto. Uns “presos” na sua santa ignorância apenas esperando a próxima “fake news” que combina exatamente com a sua ideologia para poder compartilhar com um sorriso quase insano de quem acha que sabe algo. Outros “presos” na negatividade de não poder fazer as coisas que fazia antes da pandemia. No primeiro lapso, quebra-se a regra e bora curtir a natureza – antes só curtia o escritório.

Adoecemos com a doença física, com a cadeia mental, adoecemos por não poder fazer o que fomos educados desde cedo que podíamos. Muitos adoecem por não poderem sequer ter esses direitos. Alguma coisa temos que aprender até o fim dessa crise. O que, ainda precisamos descobrir.


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