Estamos
cansados em todos os sentidos. Cansados, fracos e adoecidos. Para alguns mais
alarmantes é tudo um castigo divino, fim dos tempos, mas para estes é sempre
assim. Qualquer coisa que acontece ou é o destino agindo ou outra força
sobrenatural. Afinal, é sempre mais fácil colocar a culpa em algo que não se
consegue compreender nem explicar, posto que compreensão e explicação exigem
muito além da vontade e capacidade a que estamos acostumados. Invoque-se Deus
ou o Diabo e tudo estará resolvido. Pelo menos no campo das culpas.
De qualquer
forma, a pandemia nos cansou, o valente século XXI! Tal qual seu antecessor
vivendo uma Belle Époque, crendo nos
avanços científicos e tecnológicos, no avanço das ideias e do conhecimento que
erigia a “casta” europeia sobre o restante do mundo e viu fenecer seus ideais
em sangrentas guerras mundiais e nos totalitarismos. O polo se inverteu e a
incomensurável força do progresso e conhecimento humanos foram novamente abalados,
não pela nossa forte convicção em nossa sociedade, mas ao contrário: vimos
alguns odiosos discursos contrários à ciência, por exemplo, terem que voltar
essa convicção já um tanto abalada para travar uma guerra diferente. O inimigo
agora é praticamente invisível, mata gradualmente o ser humano e “fere de faca”
o sistema financeiro.
Se no século XX
a crença no progresso, uma das características do pensamento moderno, não foi
suficiente para livrar a sociedade humana da barbárie, criando a devastação
bélica de duas guerras mundiais, no início desse século e, principalmente
agora, vemos um embate dantesco entre a ciência e as superstições. Há quem diga
que o discurso iluminista falhou e não se obtém mais sucesso a tentar-se
iluminar as mentes humanas. A grande rede, a internet, tornou-se nosso “grande irmão orwelliano”, que a tudo
vigia e tudo sabe de nós. E nós nos entregamos de graça, todo nosso
conhecimento e, o mais importante de tudo: entregamos de graça à “Grande Rede”
toda nossa santa e sagrada ignorância! No ápice de achar que sabemos algo,
acabamos apenas nos passando pelo “tiozão do zap” que compartilha coisas porque
sabe apertar um botão de compartilhar...
No fundo, e na
superfície também, trata-se de controle, de controle de corpos e mentes, de educar
sensações e sentimentos, de educar o olhar e a dor. Parece que há muita coisa,
muita informação misturada nessas poucas linhas, como poderia ser diferente?
Esse é o mundo em que vivemos, rodeados de uma miríade constante e crescente de
informações que nos adoece tanto quanto outros minúsculos seres nocivos aos
nossos corpos. Esses podem ser combatidos com remédios, mas como combater as
ideias que nos rodeiam? Ou melhor, como equilibrar todo o poderio, toda a
sedução que elas impõem sobre nós?
Até pouco
tempo, o filósofo Foucault dizia-nos que vivíamos sob uma sociedade do
controle, e ainda é assim em muitos aspectos. As regras, as leis e os decretos
– lockdown – se tornaram palavras
comuns nesses meses pandêmicos. De outro lado, Byung-Chul Han, filósofo coreano
que vive na Alemanha, aponta que aquela sociedade do controle já tem seus dias
contados ou já passou. Vivemos sob outra sociedade, uma sociedade do desempenho, do “eu posso”. Olhe ao seu redor e, pessoas que viveram a virada do
século, lembrem-se como os discursos foram positivados. Ganhamos o poder de
dominar nossos rumos! É o que dizem as palestras e os milhares de discursos,
sejam de auto ajuda ou auto motivação. Então, uma pandemia nos tira todo esse
poder de fazer as coisas. Como poderíamos não adoecer?
Uns “presos” em
suas casas, como medo de um inimigo que mata sem ser visto. Uns “presos” na sua
santa ignorância apenas esperando a próxima “fake news” que combina exatamente com a sua ideologia para poder
compartilhar com um sorriso quase insano de quem acha que sabe algo. Outros
“presos” na negatividade de não poder fazer as coisas que fazia antes da
pandemia. No primeiro lapso, quebra-se a regra e bora curtir a natureza – antes
só curtia o escritório.
Adoecemos com a
doença física, com a cadeia mental, adoecemos por não poder fazer o que fomos
educados desde cedo que podíamos. Muitos adoecem por não poderem sequer ter
esses direitos. Alguma coisa temos que aprender até o fim dessa crise. O que,
ainda precisamos descobrir.

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