domingo, 15 de fevereiro de 2009

Manifesto solitário de um professor de história: Eu quero uma vida normal!!!



Eu cansei. Cansei de ser professor, de acreditar na meia dúzia de alunos no meio de seis centenas que têm o potencial. Não quero mais iludi-los, mesmo me restando uma meia ponta de esperança. Cansei de ouvir os pais me dizendo que não sabem mais o que fazer. Cansei de ouvir meninas bonitas falando “merda” o tempo todo. Cansei dos vários “fuck you” cotidianos em sala de aula. Cansei de meninos que pensam que podem ser homens, mas não sabem nem ser meninos. Cansei de ver meninas virando mulheres antes de serem adolescentes. Cansei de ver alunos que reclamam o tempo todo: não têm dinheiro para um livro, não têm dinheiro para um lápis de cor, não têm dinheiro para uma camisa de uniforme (e nem sei se gosto de uniforme); porém, sempre têm dinheiro para porcarias tecnológicas e alienantes como celulares que fazem tudo.
O que esse povo pensa? Será tão bom ser exatamente igual aos outros e não pensar por si próprio? Será tão bom assim assistir uma droga como o “grande irmão Brasil”? Será que eles sabem que essa é a tradução para o “big brother”?
Eu quero respostas e não ofensivas do tipo: “Aposto que na tua época tu eras como eles são hoje!” Claro que não era, ninguém era. Éramos pobres, de coisas inúteis, afinal, o que tínhamos além daquela porcaria do show da Xuxa? Claro que assistíamos aquilo por causa dos desenhos “inofensivos”, e das brincadeiras que davam aos vencedores muitos brinquedos os quais apenas sonhávamos vagamente. Hoje sabemos o quão ideológicos eram aqueles desenhos, mas já não nos importamos mais.
Acho que é isso. Encheram-nos de ilusões dia após dia. Cada novela que nos metiam goela abaixo, cada comercial de cada novo brinquedo, cada sonho que nos injetavam nos fizeram parecer hoje essas pessoas de coração mole que somos. Mas eu cansei disso também.
Eu cansei até mesmo do meu próprio pessimismo realista e sadio. Cansei até de tentar. Não agüento mais ver o que é essa educação homicida que temos!!!
Minha escola está caindo aos pedaços. Os políticos não se importam, o governo do Estado nem se importa conosco, os pais só reclamam, mas nada fazem. Toda uma trama de vencidos e derrotados caminha num imenso carrossel de demagogias!
Estou cheio de professores esfomeados, de professoras exauridas! Estou cheio do egoísmo que existe entre os educadores!!! Como podem falar em educação se só pensam em si próprios? Como? A cada ano que passa nossa situação só piora e no horizonte só vejo escuridão... O governo não nos ajuda, e não conseguimos nos unir para nos defendermos. Não nos apoiamos, nos perseguimos, vivemos a caça do olho por um dente e quem conseguir mais, felicidades!
Cansei de ver educadores que agem como meus alunos. Cansei de ver educadores, professores (céus, alguns lecionaram para mim!), me ensinaram a ser uma pessoa boa, mas hoje são verdadeiros pilantras politiqueiros, marionetes perfeitos do próprio sistema que nos detona diariamente! Como pode haver tanta hipocrisia????
Cansei de ver leis e mais leis serem criadas e jogadas de cima para baixo e nós professores só temos que engolir. Não nos perguntam o que achamos, não nos questionam sobre nossa saúde, não se importam com o nosso espaço físico! Não olham para nossa estrutura educacional, nossa estrutura física de salas de aula deterioradas. Cansei desse governo que só cria leis e as empurras para dentro das salas de aula já carregadas e abarrotadas. Cansei desse cinismo que diz que não devemos esperar apenas pelo Estado, mas sim fazer por nossas próprias mãos. E o que fazemos todos os dias? E o que é o Estado senão a expressão da vontade de uma elite que se quer elite sempre passando por cima da maioria? Cansei, sinceramente, cansei.
Quero expressar meu desanimo falando “merda”, a mesma merda tão falada nas bocas dos alunos. De tanto falarem merda na sala de aula saímos cagados, com a mente suja.
Cansei dos quadros verdes musgos e suas rachaduras. Cansei pelo fato de não possuir na minha escola um aparato didático, material, livros, biblioteca, computadores, bolas, profissionalismo.
Eu cansei de tudo isso gente, eu quero uma vida normal. Um emprego em que possa trabalhar de segunda a sexta-feira. Chegar em casa após as cinco da tarde, cansado, suspirar lentamente, olhar para minha barriga e ver que não preciso de academia. Tomar um banho em paz, tomar um café com pão e mortadela e uma fruta. Ir ao meu quintal sem pressa. Ouvir uma música despreocupado, não aqueles funks ridículos que tanto invadem os celulares dos alunos. Ligar a televisão e comprovar que não há nada mesmo de bom para assistir. Ler um livro com calma sem ter que pensar que é preciso fazer um resumo, uma resenha. Acessar a internet pra discutir sem procurar soluções. Eu quero essa vida normal para me preocupar de verdade sem ter que ouvir um monte de crianças mandando um ao outro para os mais diversos lugares. Geralmente de lugares de onde saem fezes.
Só quero essa vida normal, pra poder reclamar do chefe, pois como chefe em sala de aula já percebi que 99, 9% dos “colaboradores” não estão nem aí.
Quero trabalhar calmamente, só se preocupar comigo no mundo, fazendo a diferença. Me chamem de pessimista, derrotado, vendido, alarmante, entreguista, pode ser. Eu cansei desse futuro que minhas professoras me fizeram sonhar. Cansei porque sei que elas não têm culpa algum nesse processo. Elas foram uma parte desse processo. Desanimaram assim como eu estou prestes a fazer, entregar os pontos.
Não são mais salas de aulas. São salas de desrespeito, de sátiras inóspitas, de ironias indecentes, desassossego, ou como algumas colegas e colegas de trabalho dizem: “O mais próximo do inferno que podemos chegar em vida”.
Vocês não vêem como estamos cansados? Querem formaturas? Vocês já nos formaram: hematomas em nossos intelectos, feridas, chagas incuráveis, medos que não podemos mais combater.
(...)
Isso é um desabafo, sim. Hoje revi um aluno da minha primeira turma há anos. Chamei o pelo nome e ele se admirou porque eu ainda lembrava dele. Ainda lembro-me de muitos. Tenho até lista de chamadas guardadas, e para que isso? Já falei, as apostas naquela meia dúzia entre seiscentos são nossas únicas esperanças. Quem deles realmente vai ser uma pessoa crítica, autocrítica? Que Brasil é esse que temos em sala de aula?
Cansei, e só quero uma vida mais normal, sem gritos, sem risinhos, sem insinuações, sem desrespeito, sem egoísmo. Será que ficarei a par dessa constrangedora situação da educação publica?
Não sei nem como terminar isso daqui, essa coisa. Vou citar uma frase que sempre me chamou a atenção, do filme “A sociedade dos poetas mortos”: “Educar é ensinar a pensar sozinho”.
Pensem. Ensinem. Continuem. Eu preciso dessa coragem e esperança moribunda.
Wagner Fonseca, 6 de março de 2008 – um professor que ousou acreditar...
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Um comentário:

  1. É, Wagner, é inquietante e verdadeiro. Ser professor tem se tornado uma tarefa cada vez mais extenuante. O problema é estrutural, rapaz, e afeta qualquer tipo de escola ou nível de ensino. Um abraço

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