segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A ética capitalista e o espírito de competitividade

Eu cansei de ouvir falar em motivação, em palestras sobre motivação. Motivar as pessoas para vencer na vida é certo? Porque precisamos vencer na vida? A vida é um jogo, uma aposta na qual os perdedores são relegados ao papel de subalternos e inferiorizados pela minoria vencedora? Infelizmente, sim. E há os que defendem a meritocracia veementemente, com unhas, garras e dentes. Se levarmos em conta a meritocracia, estaremos dispensando todos aqueles que não conseguiram vencer na vida. E se observarmos o Brasil, a situação piora: o nosso país conseguiu vencer já? Ainda não, e os mais realistas hoje podem admitir sem peso algum na consciência que esse gigante tropical não possui estigma de primeiro lugar.

E porque é difícil vencer aqui? Não fomos feitos para vencer? Bem, podemos dizer que ainda estamos nos construindo, ainda estamos aprendendo como é esse “lance” de vencer. Todavia, já chegamos atrasados nessa disputa, pois, a julgar pelo andar das coisas, não vai sobrar muito espaço, recursos ou energia para que possamos ser considerados um país vencedor. Resta-nos consolar-se e continuar a copiar tudo que vem de fora, como estamos acostumados. Porque qualquer um que tentar cobrar uma fatia do bolo não o poderá fazer sem pegar em armas e o derramamento inevitável de sangue inocente não mudará em nada a situação. Pelo contrário, de perdedores passaremos a excluídos, mais do que já podemos ser.

Eu posso estar louco, desesperado, errado ou totalmente (in) conformado, mas não vejo muito futuro nesse negócio de auto-ajuda, de motivação. Primeiro, tomo meus alunos como exemplo: impossível dizer que não são motivados, só não querem é aprender. Eis um erro grave, eles aprendem, eles sabem! O que há de errado então? A escola parou no tempo? Podemos dizer que sim, mas não devemos culpá-la por isso, pois é simples perceber que a máxima “conhecimento é poder” é seguida a risca por nossos governos. Porque se preocupariam em atender as necessidades educacionais do povo? Povo é coletivo e a escola pública, deteriorada é o seu lugar: equipamentos obsoletos ou faltantes, professores mal-remunerados e sobrecarregados de trabalho, eis nossa realidade. E o que me revolta mais ainda é saber que a revista “Veja” adora desmerecer ainda mais minha categoria profissional. O pior é assistir minhas colegas e meus colegas de trabalho a defender essa mesma revista. É óbvio que algo se aproveita, mas a sua teimosia em desqualificar a educação pública é muito aparente. Porém, para o povo isso deve significar alguma coisa, já que em qualquer consultório que se vá há números da Veja, Caras, Época, nenhuma revista popular. Mesmo assim, elas estão lá e o povo que vai se consultar deve imaginar que são importantes, afinal, “doutores” são pessoas estudadas, não é? Ainda me questiono o que pode haver de interessante numa revista Caras. Mais um aparato ideológico criado para instigar estúpidos sonhos consumistas nas pessoas. E como bons cordeirinhos, até educadores se maravilham em suas páginas...

Isso não é tudo. As escolas públicas catarinenses recebem regularmente edições da revista juvenil “It’s” e eu estive a observar tal situação. Nas suas páginas encontrei muita gente bonita (padronizadas) e nenhuma pessoa comum. Não encontrei os alunos das escolas públicas defasadas em que lecionamos diariamente, não encontrei a realidade de nossas escolas, pelo contrário. Mais e mais escolas particulares e um linguajar que não é usado por meus alunos e alunas. Vi apenas uma revista juvenil alimentando valores propagados pela mídia e pela moda. Questiono-me qual é o real interesse do governo ao enviar às escolas públicas tal revista se a mesma não reflete nossa realidade. Quer instigar mais sonhos e valores fúteis em nossos alunos e alunas? É certo fazer-lhes o “favor” de mostrar como são boas as escolas particulares em detrimento das estaduais? Enquanto isso temos que digitar nossas apostilas com letras minúsculas para que a maior quantidade possível de conteúdo possa caber numa folha A4. Explico: temos cotas de xérox nas escolas, por isso economizamos o possível para poder atender a todos os alunos. E aqui, mais um erro perpetuado por nós professores: mesmo sem querer acabamos sempre trabalhando como nossos alunos no coletivo (embora não creia que seja algo tão ruim assim). Contudo, alguns estudiosos destacam essa diferenciação entre escolas públicas e privadas como um aspecto negativo: enquanto a rede particular de educação estimula as individualidades e a capacidade empreendedora de cada aluno e aluna, na rede pública ainda continuamos a trabalhar a coletividade (porque somos obrigados devido a falta de recursos ou porque o currículo nos obriga, entre outros fatores). Grosso modo, podemos pensar, enquanto aqueles serão treinados para controlar e comandar, nós continuaremos a varrer o chão das fábricas.

É isso mesmo, é nessa incessante competitividade estimulada por todos os meios midiáticos que reside a ética capitalista: “O importante não é ganhar, o importante é competir!” Ouço isso desde criança e sempre julguei o certo, embora eu tenha desistido do futebol logo cedo, pois sempre fui um “perna-de-pau” e ainda sou. Vencer nunca foi o verbo final de minhas ideias e com o tempo aprendia deixar isso de lado, perdeu a importância. Para mim não para o resto e, mesmo assim, observo como as pessoas simples, dessas que não se preocupam em vencer na vida, vivem saudavelmente acumulando suas experiências. Não há vitória maior que estar vivo e ter as pessoas de quem se gosta ao lado.

Essa ideia de competição vem sendo alimentada a séculos chegando ao cúmulo de alguns estudiosos justificarem a existência da pobreza como algo necessário a sociedade. Pois é, uma função tem a pobreza, servir de base para a gorda riqueza poder caminhar, pois seus pés estão inchados. Na verdade, a pobreza “possui muitas funções”. Que estimulo maior tem uma pessoa de vencer na vida ao observar que, apesar dela reclamar, a vida poderia ser pior? É o que dizem nessas palestras sobre motivação: “Colaboradores, porque reclamais? Vejam o mendigo, poderia ser muito pior!”

É, sempre poder ser pior. Então porque deveríamos reclamar, não é mesmo? Temos um emprego, bom ou ruim, nós o temos e isso permite que a roda do sistema continue incessantemente. E não se engane, está na hora de mudar de visual, de penteado, porque as pessoas enjoaram. Que pena, as pessoas enjoam de ideias também, enjoam até de ideais. Corpos bonitos e sarados, autênticos simulacros de ignorância e hipocrisia. O mito da juventude eterna ditando todas as regras e massacrando o valioso tempo de milhares de pessoas que precisam se sentir bem sendo eternamente belas.

Enquanto os valores individualistas continuarem ditando todas as normas e a competitividade for a meta mais importante, discursos serão apenas palavras mortas. Queres falar em ecologia? Olhe-se no espelho antes de tudo. Reveja todos seus hábitos e pensamentos. Um alerta: só faça isso se quiseres salvar o mundo! Exatamente, se quisermos salvar o mundo e a nós mesmos, só poderemos fazer se formos radicais.

Devo estar enlouquecendo. Que saudade de minha infância com todas as suas fantasias e ingênua ignorância...

Professor Wagner Fonseca, 11/09/10

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