Procurando por uns arquivos no computador, eis que me deparo com esse trecho que copiei da obra de Raymond Aron, que pouco li, confesso. Entretanto, caberá muito bem na próxima avaliação de história e também vem de encontro com o momento político em que estamos envolvidos.
A passagem do Antigo Regime para a sociedade moderna
se deu, na França, com uma brusquidão e brutalidade únicas. Do outro lado do
Canal da Mancha, o regime constitucional foi progressivamente instaurado e as
instituições representativas brotaram no parlamento, com origens que remetem
aos costumes medievais. Nos séculos XVIII e XIX, a legitimidade democrática
substituiu a legitimidade monárquica sem totalmente eliminar esta última, e a
igualdade entre os cidadãos pouco a pouco apagou a distinção entre nobreza e
plebe. As ideias que a Revolução Francesa lançou como um vendaval através da
Europa - soberania do povo, exercício da autoridade dentro de regras, assembleia
eleita e soberana, supressão das diferenças de status individual - se
realizaram na Inglaterra, algumas até antes do que na França, sem que o povo,
em uma convulsão prometeica, precisasse sacudir os seus grilhões. Lá, a
“democratização” foi obra comum de partidos rivais.
Grandiosa ou horrível, a catástrofe ou epopeia
revolucionária dividiu em duas a história da França. Parece ter criado duas
Franças, posicionando uma contra a outra, a primeira não querendo desaparecer e
a segunda sem se cansar de dar prosseguimento a uma cruzada contra o passado.
Cada uma delas supostamente encarna um tipo humano quase eterno. De um lado,
evoca-se a família, a autoridade, a religião; de outro, a igualdade, a razão, a
liberdade. Em uma se respeita a ordem que séculos e séculos lentamente
elaboraram, em outra se coloca como bandeira a capacidade do homem para
reconstruir a sociedade pelos dados da ciência. A direita, partido da tradição
e dos privilégios, contra a esquerda, partido do futuro e da inteligência.

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